Quebre um dente. O dente da frente. Quebre comendo um doce no meio da rua. Corra para o dentista, que vai consertar o dente e dizer que tudo está bem. Viaje para outro pais logo em seguida, com o dente colado. Passe duas semanas paranóica, estressando que o dente vai cair a qualquer minuto na frente de estranhos. Volte para casa e vá checar se está tudo bem com o dente quebrado - porque você tem certeza que não está - e escute o chocante prognóstico de que provavelmente você vai perder o dente. Chore muito, fique deprimida, marque uma consulta com um especialista. Passe semanas chateada e cabisbaixa, se imaginando sem o dente da frente, usando um dente falso provisório, se retirando da vida social, se achando um monstro. Na visita ao especialista implique com tudo - local, secretária, assistente, dentista. Tenha muitas dores de cabeça somáticas. Escute um bom prognóstico do especialista, mas não acredite, afinal a lei de Murphy sempre aplica pra você. Estresse muito, chore, sinta-se uma freak. Ouça aliviada o relatório de que a situação estava muito melhor do que prevista, que o dente vai poder ser salvo, que até vai ficar mais bonito. Fique feliz, mas com um pé atrás, porque com você tudo pode acontecer e é melhor manter as barbas de molho. Olhe-se agora no espelho - além de ter ficado três anos mais velha em três meses, você mudou seus hábitos, está pessimista e nunca mais será a mesma...
Acho que a única coisa de que sinto saudade dos meus vinte e trinta anos é da ingenuidade de achar que se sabe tudo, quando na verdade não se sabe nada. Não gostaria de ter vinte ou trinta anos novamente, a não ser pelo desejo que toma conta de mim vez ou outra, de viver numa bolha de alienação e desconhecimento. É interessante tentar lembrar como eu via o mundo, como eu me colocava perante a vida, como tudo era - ou parecia ser, visto daqui dos meus quarenta e poucos - tão simplório. De repente tudo mudou, perdi a esperança, fiquei cética e o mundo tornou-se um lugar desagradavel e enfadonho. Estou incrivelmente sensível e descrente. Não acredito que vamos melhorar ou evoluir. Será que esse entojo e decepção vai passar como uma onda da qual vou me lembrar sem nostalgia? Ou é assim mesmo que se sente enquanto se envelhece?